Vila Nova Esperança
A questão da habitação e das favelas tem recebido diferentes tratamentos ao longo dos tempos. A favela já foi vista como “aberração”, como “problema moral”, como “problema político”, como “lugar do vício e da promiscuidade” e hoje como lugar da “violência” e do “tráfico de drogas”.
Esse trabalho estudou as representações sociais da Moradia na Favela Vila Nova Esperança objetivando entender o que é “moradia” para os habitantes e obter subsídios para projetos habitacionais direcionados aos anseios e vontades destes, pois, ao observar conjuntos habitacionais, percebem-se muitas vezes contradição entre os projetos e o que esses moradores aspiram, que se refletem na alteração das edificações.
A favela estudada está localizada em Jacarepaguá, cidade do Rio de Janeiro. Sua ocupação data do início dos anos 90, de uma invasão por parte de um grupo de moradores e está relacionada ao crescimento demográfico da região, destacadamente a Barra da Tijuca, principalmente nas últimas duas décadas. Está localizada próxima à cidade de Deus, hoje uma favela bastante densa e marcada pelo tráfico de drogas.Possui aproximadamente 500 famílias, quase todas as casas são de alvenaria. Não passou por obras de urbanização e o sistema de esgoto foi obra realizada pelos próprios moradores.
Esse estudo se baseou na Teoria das representações sociais e adotou a abordagem estrutural desenvolvida por Jean-Claude Abric, segundo a qual, as Representações Sociais se organizam em torno de um Núcleo Central e em torno dele se estabelecem os sistemas periféricos. O Núcleo Central tem dimensões normativase funcionais. Os elementos periféricos formulam a representação em termos concretos, facilitando sua transmissão, permitem a adaptação às evoluções do contexto e interpretações novas e contraditórias, protegendo o Núcleo Central.
A pesquisa de campo foi realizada de novembro de 2005 a janeiro de 2006, onde foram aplicados 150 questionários compostos de a associação de palavras com a palavra indutora MORADIA; perguntas abertas, questionário socioeconômico; e seleção de imagens de livre escolha, em que foram escolhidas 16 fotografias com características tipológicas diversas em que era pedido para que as separassem em dois grupos: aquelas que representassem “morar bem” e aquelas que não representassem. Posteriormente, pedia-se para que retirassem as três que mais e as três menos relacionadas e que justificassem as escolhas. Paralelo a isso foi realizado um levantamento das casas quando era permitido.
“Moradia” para os moradores de Vila Nova Esperança está fortemente ligada às questões de saneamento e segurança. Saneamento, como algo que eles enxergam como uma necessidade local e segurança como a principal qualidade de Vila Nova Esperança, motivo que levou muitos deles a construírem suas casas no local.
Para eles morar bem é morar numa casa isolada num amplo terreno gramado, pois para eles é importante “ter bastante verde”, espaço livre para um jardim, quintal ou plantação. Pode ser também uma casa isolada à beira de uma praia, simples, mas onde haja também bastante espaço; “uma casa com quintal para criar galinha”. Poderia ser uma casa desde que fosse térrea e isolada no terreno. Para eles, não seria morar bem a própria Favela Vila Nova Esperança, assim como também não é qualquer favela, mesmo quando urbanizada, apesar de acharem que “favela bairro é melhor”. Conjuntos populares, associados a favelas, também causam rejeição, não representando morar bem para eles. Para eles, “as casinhas assim tudo amontoado é ruim”.
Morar com conforto para um grande número de moradores significa “ter o mínimo necessário” juntamente com “saneamento e infra-estrutura urbana”. Morar com segurança tem uma relação direta com a violência. Morar com tranqüilidade para eles é “morar sem violência”, mas para muitos tem relação com morar “sem barulho”.
Um aspecto que chama atenção na Favela Vila Nova Esperança é a diversidade nas moradias; a existência de um número grande de “quitinetes” para aluguel: espaços exíguos, muitas vezes com menos de 10m², que abrigam uma família que destina um valor de não menos que 2/3 do salário mínimo ao pagamento do aluguel. Essas “quitinetes” normalmente constituem um estágio temporário até que a família consiga “comprar uma casa” e “se livrar do aluguel”. A maioria das casas possui dimensões muito abaixo do mínimo aceitável para se habitar, entretanto, ao se depararem com imagens de apartamentos ou cortiços, muitos julgam serem “pequenos”, ou haver “pouco espaço”.
Quando observamos o espaço de morar real verificamos que aparecem algumas vezes elementos ligados à representação da moradia. Há uma preocupação grande com o entorno, com questões que estão além da própria moradia, ou seja, com o saneamento básico, com o calçamento das ruas, com a segurança. O local, a própria favela, não agrada muito, talvez até por isso mesmo, verificamos um número pequeno de aberturas para o exterior. Percebemos que, de uma maneira geral, a concretização da moradia, fica muito aquém do ideal apresentado na escolha das imagens, que são extremamente idealizadas. Em alguns casos, verificarmos uma maior aproximação, com a presença de alguns dos elementos apontados pelos moradores entrevistados como norteadores da escolha das imagens, como casa, privacidade, contato com a natureza, espaço. São esses elementos que vão aparecendo, em maior ou menor quantidade.
Trata-se de uma favela recente que busca ainda infra-estrutura urbana, a casaprópria ea tranqüilidade. O ideal de moradia seria uma casa, com telhado de duas águas, isolada num terreno gramado, com bastante área verde e em contato com a natureza. Se possível, uma casa bonita, num lugar seguro, tranqüilo e sem violência. Entretanto, a maioria dos projetos em conjuntos habitacionais são apartamentos, com espaços reduzidos, sem uma área externa ou quintal, o que não corresponde à representação do "morar bem" para grande parte desses moradores, o que pode proporcionar uma não aceitação ou adaptação a esse tipo de moradia.